VLBI - INTERFEROMETRIA DE BASE MUITO LONGA

A técnica de Interferometria de Base Muito Longa (VLBI – Very Long Baseline Interferometry) é uma das técnicas de geodesia espacial utilizadas para estudar a dinâmica da Terra e a sua orientação no espaço. A primeira observação VLBI foi realizada em 1967, há mais de 50 anos. Inicialmente concebida como uma ferramenta de radioastronomia, o seu potencial para aplicações geodésicas foi desde cedo reconhecido. O VLBI, juntamente com outras técnicas de geodesia espacial, fornece as soluções mais precisas para os referenciais terrestres (TRF – Terrestrial Reference Frames) e celestes (CRF – Celestial Reference Frames), e para os Parâmetros de Orientação da Terra (EOP – Earth Orientation Parameters) para geodesia e astronomia, bem como para as ciências relacionadas e aplicações práticas. O VLBI possui características especiais, o que a torna a única técnica moderna existente que concretiza e mantém o referencial celeste (CRF), o Tempo Universal (UT) e o monitoriza o movimento do eixo de rotação da Terra no espaço, sendo assim a única técnica que pode fornecer sozinha uma solução completa TRF-EOP-CRF.

PRINCÍPIOS DE FUNCIONAMENTO

A técnica de VLBI baseia-se na observação simultânea de um objeto celeste (fonte astronómica) por um conjunto de radiotelescópios distribuídos pelo globo terrestre. A utilização deste método seria equivalente a observar essa mesma fonte mas com um radiotelescópio do tamanho da separação máxima entre telescópios individuais. Este radiotelescópio “artificial” pode atingir o tamanho da Terra, ou escalas maiores, se houver antenas espaciais incluídas na rede. Este enorme radiotelescópio tem uma resolução angular superior à alcançada com qualquer outro instrumento astronómico (Fig. 1). Para que esta técnica funcione, os observatórios necessitam de possuir equipamentos estáveis e de alta precisão para estabelecer uma referência temporal – Masers de hidrogénio (relógios atómicos de alta precisão). Estes são utilizados para condicionar, digitalizar e marcar de forma coerente o sinal recebido por cada radiotelescópio individual. Após esse processo, o sinal é gravado em cada estação utilizando equipamentos como os gravadores Mark 6, e os dados enviados aos Centros de Correlação. Nesta fase, os sinais de cada estação são processados (interferidos construtivamente) utilizando poderosos softwares de correlação, de forma a obter o atraso de tempo, e a distância correspondente (linha de base), entre radiotelescópios (ver Fig. 2).

Fig. 1. Ilustração de um radiotelescópio “artificial” do tamanho da Terra, através da utilização da técnica VLBI incluindo radiotelescópios já operacionais e os de próxima geração, como os radiotelescópios do Square Kilometer Array (SKA).
[Ref.] García-Miró.

O princípio de funcionamento do VLBI é em teoria muito simples: o VLBI mede a diferença nos tempos de chegada, em dois (ou mais) radiotelescópios, dos sinais emitidos por fontes astronómicas distantes por correlação cruzada. Conforme mostrado na Fig.2, o conceito básico do VLBI consiste na captação do sinal de uma frente de onda plana se propaga a partir da fonte, e que chega com um dado atraso temporal, a duas antenas que apontam simultaneamente para a mesma fonte de rádio separadas pelo vetor de linha de base.

O sinal captado por cada antena é amplificado e amostrando digitalmente em cada observatório. Em seguida, esse sinal é gravado e enviado a um correlador VLBI, onde, após o processamento dos dados de todos os observatórios (processo de interferometria), é calculado o atraso de tempo.

Geralmente, as fontes de rádio observadas são quasares e galáxias de rádio distantes e muito brilhantes que não exibem paralaxe ou movimentos próprios.

Fig. 2. Esquema de uma observação geodésica VLBI utilizando 2 radiotelescópios, o interferômetro mais simples.
[Ref.] GGOS.org (criada por Laura Sanchez)

REDE IVS

Em 1999, o International VLBI Service for Geodesy & Astrometry (IVS) foi aceite como um serviço oficial da Associação Internacional de Geodesia (IAG) e da União Astronómica Internacional (IAU). Desde então, o IVS tem sido responsável por coordenar as sessões de observação VLBI em todo o mundo e respetiva análise dos dados. O IVS coordena os programas de observação VLBI, estabelece padrões de desempenho para as estações, estabelece as convenções para o formato de dados e produtos de dados VLBI, emite recomendações para software de análise de dados e define padrões para documentação. Também coordena as suas atividades com a comunidade astronómica devido à dupla utilização de muitas instalações VLBI tanto para radioastronomia como para geodesia e astrometria.

As observações do VLBI são asseguradas por mais de 40 organizações localizadas em 17 países. A Figura 3 mostra a rede IVS atual. As Estações da rede RAEGE fazem parte da Rede IVS, participando nesta missão global.

Fig. 3: Rede IVS.
[Ref.] Imagem por ivscc.gsfc.nasa.gov

PRODUTOS

Os produtos VLBI fornecidos pelo IVS podem ser definidos em termos de precisão, fiabilidade, frequência de sessões de observação, resolução temporal dos parâmetros estimados, tempo de espera desde a observação até o produto final, e frequência de soluções. Exemplo de produtos de dados VLBI atualmente disponíveis são:

  • Referenciais:
    • Referencial Celeste (CRF) (Fig. 4)
    • Referencial Terrestre (TRF) (Fig. 5)
  • Parâmetros de orientação da Terra (EOPs) (Fig. 6)
  • Troposfera e outros produtos auxiliares da atmosfera (Fig. 7)
Fig. 4: CRF
[Ref.] Imagem por ggos.org
Fig. 5: TRF
[Ref.] Imagem por ggos.org
Fig. 6: EOPs
[Ref.] Imagem por ggos.org
Fig. 7: Produtos Atmosféricos. [Ref.] Imagem por ggos.org

Desde a sua invenção, o VLBI tem se dedicado igualmente a estudos astronómicos de fontes de rádio relativamente brilhantes e compactas, com resoluções angulares abaixo de milissegundos de arco. Para obter uma boa resolução nas imagens, o VLBI utiliza a técnica Aperture Synthesis que aproveita a rotação da Terra durante as observações para amostrar em diferentes frequências no espaço de Fourier, que se traduzem numa melhor amostragem no plano da imagem alvo. Um dos momentos mais altos e com maior expressão mediática do uso das capacidades da técnica de VLBI, foi demonstrado na recente obtenção das primeiras imagens de buracos negros supermassivos presente no centro da galáxia M87 e no centro da nossa galáxia, a Via Láctea (Fig. 8).

Fig. 8: Imagens do buraco negro no centro da nossa galáxia, conhecido como Sagitário A*, e no centro da galáxia elíptica M87, conhecida como M87*. A resolução alcançada nestas imagens é de cerca de 25 microssegundos de arco. Crédito da imagem: Colaboração EHT, 2022.

Para a geodesia espacial, o VLBI desempenha um papel único na realização e manutenção prática do Sistema de Referência Celestial Internacional (ICRF – International Celestial Reference Frame), contribuindo igualmente de forma significativa para o Sistema de Referência Terrestre Internacional (ITRF – International Terrestrial Reference Frame), fornecendo com precisão inigualável as posições, e respetivas variações, dos vários radiotelescópios na Terra. É a única técnica de geodesia espacial que fornece diretamente o conjunto completo de parâmetros de orientação da Terra (movimentos dos polos, orientação do eixo de rotação terrestre e duração do dia), os quais são cruciais para aplicações de posicionamento e navegação na Terra e no Espaço.

O ICRF baseia-se atualmente em quase 40 anos de dados adquiridos pelo VLBI nas frequências rádio utilizadas na geodesia e astrometria de forma padrão (2,3 e 8,4 GHz), complementado com dados em frequências mais altas (24 GHz e frequência dupla 8,4 e 32 GHz) nos últimos 15 anos. A última revisão do sistema, denominado de ICRF3, utiliza 303 “fontes de referência”, distribuídas uniformemente no céu, permitindo a definição dos eixos de um sistema quase inercial. As posições das fontes astronómicas são vinculadas a esse sistema de referência, sendo este também o sistema utilizado para monitorizar e medir os EOPSs.

O VLBI geodésico também contribui para a realização do ITRF medindo longas linhas de base intercontinentais dentro de redes globais. A revisão atual deste sistema é denominada de ITRF2020. Comparado com outras técnicas de geodesia espacial que utilizam satélites (i.e. GNSS, DORIS ou SLR) o VLBI tem a principal vantagem de que a sua realização do ITRF depende apenas da velocidade da luz, a qual se utiliza para transformar os observáveis atrasos de tempo em unidades medida. Os resultados obtidos pelas Estações RAEGE de Yebes e de Santa Maria foram utilizados na elaboração do ITRF2020.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Desde 2005, o IVS tem desenvolvido um sistema VLBI de última geração, conhecido como VLBI Global Observing System (VGOS) para colaborar no esforço mundial da comunidade geodésica de atingir precisões de 1 mm na posição e 0,1 mm/ano em estabilidade em escalas globais. A Rede VGOS propõe a utilização de medições contínuas para obter uma série temporal ininterrupta das posições das estações e parâmetros de orientação da Terra, e um tempo de resposta desde as observações até os resultados geodésicos iniciais em menos de 24 horas.

Alguns dos resultados científicos derivados do VLBI incluem:

  • Movimento das placas tectónicas da Terra;
  • Deformação local e soerguimento ou subsidência local;
  • Definição do referencial celeste;
  • Variações na orientação da Terra e na duração do dia;
  • Manutenção do referencial terrestre;
  • Medição das forças gravitacionais do Sol e da Lua na Terra e da estrutura profunda da Terra;
  • Melhoria de modelos atmosféricos.

A Estação RAEGE de Yebes faz parte da rede VGOS desde 2016 e a Estação RAEGE de Santa Maria desde 2023, ambas participando nas sessões VGOS como estações regulares.

[Ref.] Schuh, H., & Behrend, D. (2012). VLBI: A fascinating technique for geodesy and astrometry. Journal of geodynamics61, 68-80.

[Ref.] ITU-R, “Technical and operational characteristics of the existing and planned Geodetic Very Long Baseline Interferometry”, Report ITU-R RA.2507-0, 2022.